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Dois grandes dragões alados vigiam os portões de horm maciço. A entrada está ali, na passagem de muitos mas poucos a vêem, convido-os a entrar. Cruzem os portões e caiam no meu mundo.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Tinta e Papel

No dia seguinte ela ainda se lembrava dele, apoiada no vidro da janela do onibus olhando fixamente pro nada com a imagem um pouco embaçada pela sua própria distração ele preenchia sua mente como se ainda estivesse entre as suas mão. Era fácil mergulhar dentro das histórias que lhe sussurrava ainda que estivessem distantes, ela fechava os olhos e se via virando suas páginas com cuidado num mergulho cada vez mais profundo em meio as palavras mágicas que a levavam para outro mundo. Os momentos diarios de distração a levavam de volta para esse mundo que só ele podia lhe proporcionar, o livro que estivera em suas mãos. Ao caminhar pela rua automaticamente o caminho passava por ela e ao seu redor quase dava pra ver o mesmo cenário que havia imaginado, as falas se repetiam em sua mente, a capa permanecia estampada dentro de seus olhos e assim seria por um bom tempo até aquela estória se dissolver e ela estar pronta para outra. Assim funcionava suas viagens. Assim, dizem também, é o amor por esse universo.
Se Meggie passava a mão sobre a capa delicadamente da mesma forma que Mo, ela também o fazia. Não só passava a mão sobre a capa e mostrava seu respeito pelo que estaria ali dentro como também gostava de sentir seu cheiro, observá-lo, preparar-se para ouvir da forma mais pura o que o livro tinha para lhe contar. 

A gente se conhece, dizem, melhor quando nos reconhecemos nos outros - ou nos personagens que lemos - reconhecemos nosso defeitos e nossas qualidades, nossas características e descobrimos ainda manias escondidas em hábitos, pensamentos, princípios e sentimentos. As vezes nossas estórias preferidas revelam mais de nós do que nós mesmos e esse sentimento de identidade que torna tudo mais fantástico. Talvez porque eu ame escrever e ame o poder de dar vida a um universo. Talvez porque eu respeite esse mesmo poder e tudo o que ele pode criar, todas as vidas que saem dai quase literalmente, não tanto quanto Mo pode fazer. Talvez porque, assim como Elinor, eu ame e respeite os livros, porque assim como Meggie espere que eles me levem para o mundo de tinta e papel e entenda como é sentir saudades de viver nesse mundo porque entendo como um personagem se sente. E entenda a magia de se encontrar com seus personagens porque me encontro com os meus em meus pensamentos, eu não consigo imaginá-los fora dos meus pensamentos porque esse não parece um mundo no qual eles viveriam então é assim que os encontro e os ouço falar, ouço suas vontades e os conheço. Mas por isso eu entendo o sentimento de tê-los criado e poder vê-los um dia. Por isso eu respeito suas vontades.


O primeiro amor de uma pessoa deve ser um livro, ou um personagem, ou uma palavra... um monte delas, seus sentidos, ou descobrir tudo o que se pode fazer com elas, aprender a juntá-las, ou só conseguir decifrá-las. Ler um livro é chegar a alma das palavras e compreender seus sentidos, deixá-lo te guiar e te levar para um universo distante, deixar que esse universo entre em você e faça parte do que você é. É um caminho sem volta, você nunca poderá tirar esse universo de seu interior e você estará impresso nas páginas do livro pra sempre. Quando pegá-lo de novo daqui uns anos ainda estarão ali todas as suas memórias e as suas lembranças da primeira vez que o pegou, todos os seus sentimentos e os locais em que esteve, os cheiros e os sabores. As páginas de um livro guardarão todos os segredos que você precisar, ficará pra sempre impresso ali a lágrima que você conteve, a raiva, a frustração, a alegria, todos os xingamentos mentais, as conquistas e as derrotas, segredos de todos que já o leram ao menos uma vez, que já o tocaram, o abriram, de todos os dedos que já folhearam. 


Todo livro guarda ainda seu próprio segredo, o segredo do seu próprio mundo de tinta por trás das letras e palavras, por trás das folhas, por trás das palavras lidas, antes do começo e depois do fim. Segredos que só ele sabe e nunca contará. Segredos sedutores e tentadores que te convidam para dentro do livro com a promessa de um mundo inteiramente seu, você segue a voz, entra nesse mundo e os segredos continuam inalcançáveis, você os persegue, segue a voz que chama cada vez mais para dentro da estória, mergulha mais fundo, página após página, você não pode mais voltar, precisa continuar, você continua, mais uma página, mais uma, só mais uma, você precisa terminar, precisa saber o que acontece, como termina, você não quer chegar no fim, não quer ter que terminar, ter que se despedir, mas você precisa, você precisa saber os segredos, você continua seguindo a voz que te guia constantemente quase como um sussurro te convidando a ir mais além, você vai, você continua, você precisa parar, já está tarde, você continua, está quase lá, falta pouco agora, só mais um pouco, então você vira a ultima página e experimenta uma das sensações mais ambiguas possíveis. A satisfação de conhecer (quase) completamente o que aconteceu e  a triste despedida de um mundo, você fecha o livro e despede-se daquele mundo - que ainda te visitará por muito tempo sem que sua mente se de conta. Então a estória te persegue, entra em você e não tem nada que você possa fazer, você sabe que ela não te contou tudo, ainda existem segredos antes do começo e depois do fim, você nunca saberá. Nunca. Nunca. Nunca. É quase perturbador, mas essa é a magia.

Os mundos se misturam dentro de você e isso também é mágico porque vai ver eles não foram feitos para viver separados e cada pessoa é uma mistura de mundos diferente e cada pessoa é um universo incrivelmente único de mundos misturados, milhares de mundos que vivem eternamente em quem os lê. 

Ler se torna mais mágico quando você compreende o quanto é mágico escrever e ser o Deus de um mundo de tinta e papel.


Cornélia Funke escreveu, entre outras coisas, a trilogia Mundo de Tinta e nunca ninguém descreveu tão perfeitamente como me sinto com algo importante como ela fez com livros. Obviamente, nem eu aqui escrevi sobre mim tão bem quanto ela o fez com a trilogia.

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